domingo, 13 de abril de 2014

Depressão, álcool e vida íntima invadida. Veja os dramas de Ian Thorpe









A luta contra uma forte infecção que pode causar a perda dos movimentos do braço esquerdo está longe de ser a única batalha na carreira do polêmico pentacampeão olímpico Ian Torphe. A vida do australiano tem batalhas contra depressão, alcoolismo e até de questionamentos sobre sua sexualidade.

Há cerca de dois meses, o atleta de 31 anos deu entrada em uma clínica privada para  tratar de depressão depois de ser encontrado pela polícia local em estado de atordoamento pelo uso excessivo de medicamentos.
Os problemas psicológicos também foram os responsáveis pela aposentadoria precoce que teve em 2006, aos 24 anos, quando decidiu parar alegar estar desmotivado. Depois, veio à tona que a interrupção foi pelo uso excessivo de álcool e forte depressão.

Há pouco mais de um ano, ele lançou uma biografia em que revelava os problemas psicológicos que teve e que aventou a possibilidade de fazer algo pior. "Até pensei em lugares concretos ou um modo específico de cometer suicídio, mas sempre recuava ao perceber que era ridículo... Poderia ter cometido suicídio? Olhando para trás, acredito que não, mas existiram dias na minha vida que mesmo hoje me fazem tremer", escreveu.

Diz que usava álcool para poder ter boas noites de sono, até que isso virou um circulo vicioso. "Era a única maneira de poder dormir. Usava a bebida sozinho em meio à desgraça", disse na obra.

O nadador sempre foi alvo da imprensa de seu país quanto a questionamentos sobre sua sexualidade, o que sempre gerou desgaste no campeão, que visivelmente não gostava desse tipo de pergunta sobre sua vida particular.
Em 2009, o jornal "The Daily Telegraph" chegou a insinuar que ele tinha um caso com o desconhecido nadador brasileiro Daniel Mendes, ao relatar que os dois viajaram juntos de férias para o Brasil e que chegaram a morar na mesma casa, na Austrália, por três anos. O australiano teve que falar na época sobre isso e cita em sua biografia a chatice que era ter esse tipo de questão à sua sombra.

"Em várias ocasiões respondi questões sobre minha sexualidade com a mídia abertamente e honestamente... Desde então, minha situação não mudou", falou Thorpe, em uma das declarações sobre o assunto. "O que acho mais doloroso é ver as pessoas questionando minha integridade, e que isto seria algo com o qual me sentiria embaraçado ou quisesse esconder. Não quero ofender alguém ficando nervoso ou frustrado com isso."

Os ex-nadadores brasileiros Gustavo Borges e Fernando Scherer, o Xuxa, foram contemporâneos de Thorpe e chegaram a ter contato com o australiano em competições internacionais. Gustavo diz que nunca percebeu no atleta qualquer sinal de que pudesse ser um jovem infeliz ou com problemas. O que transparecia era seu espírito de competividade.

"Não, nada, nunca percebi. Ele parecia ser um cara determinado, que era pelos resultados e a maneira de competir. Não tinha nada que identificasse um perfil diferente não, ele parecia até ser um cara bem equilibrado,  com muita determinação, não lembro nada que tivesse chamado atenção, a não ser pela determinação dele de ganhar", falou Borges.

"Ele foi um cara que parou muito cedo e ganhou muita coisa jovem. É difícil falar, mas pode ser que ele tenha tido uma mistura de sentimentos muito jovem. Ele voltou tarde demais, era extremamente talentoso. Uma pena", continuou.

Xuxa diz que a maior lembrança que tem no contato é de que Thorpe era um cara extremamente humilde. E diz que a primeira lembrança que tem dos momentos que pôde presenciar era de sua disposição em tratar muito bem a todos. "Ele era um moleque atencioso e carismático. Lembro que ele atendia as crianças e fazia tudo de maneira profissional. Já vi muito campeão olímpico negar foto até pra atleta em Olimpíada, mas ele ficava lá atendendo as crianças. Ele sempre tratava muito bem todo mundo", falou.

"Não posso comentar sobre a vida pessoal dele, porque não conheço.  Mas quando se fala em medicamento e álcool é uma mistura que não dá uma combinação muito boa. Ele era recordista mundial com 15 anos e depois teve uma parada brusca. Imagino que possa ter perdido o chão. Não é fácil para um atleta parar de representar seu país, ouvir hino e fazer a sua nação feliz."
Ian vinha tentando retomar a carreira desde 2011, mas nunca conseguiu nenhum resultado expressivo. A TV australiana Network Seven divulgou na terça-feira que o cinco vezes campeão olímpico está internado na UTI de um hospital em Sydney, na Austrália, com uma infecção forte que pode causar a perda dos movimentos do braço esquerdo. Em entrevista à emissora britânica BBC, um porta-voz do nadador confirmou a hospitalização do australiano, mas negou que ele estivesse em cuidados intensivos.

A agência Reuters publicou entrevista com James Erskine, empresário de Thorpe, que afirmou que o caso é de risco à vida do australiano, mas considerou que este pode ser o fim da carreira do atleta. "De um ponto de vista competitivo, eu acho que ele não vai nadar competitivamente de novo", afirmou.

Falta de privacidade pode causar distúrbio
A psicóloga esportiva Maira Ruas ressaltou que não há como fazer qualquer avaliação do caso sem acompanha-lo de perto, mas viu algumas situações que podem ter sido determinantes para a depressão do ex-campeão olímpico.

A profissional entende que apenas o fato de ter ganhado tudo muito cedo pode não ter sido o diferencial, mas sim a exposição de sua vinda íntima e a sensação de ter que prestar contas à sociedade pelos padrões impostos.
"Era uma pessoa muito jovem, que estava em formação de sua fase adulta e tinha uma imensa responsabilidade na vida pessoal e não tinha privacidade na vida pessoal. Ela é julgada o tempo todo, seja para ganhar um título ou porque sai junto com fulano ou ciclano; então a questão humana dele não existe. Ele tem que produzir medalhas e responder questões para a sociedade, como a opção sexual, sela ela qual for. E isso pode render um esvaziamento interno e ser o fator desencadeador de depressão e alcoolismo", explicou.

"A depressão pode ter origem fisiológica ou social, com situações externas interferindo. O sucesso de forma prematura pode ter ajudado a desenvolver algumas características nele."

FONTE: José Ricardo Leite / Do UOL, em São Paulo

sábado, 12 de abril de 2014

Pesquisa revela alto índice de adoecimento mental entre docentes da UFPA








O Ex-Coordenador de Saúde do Trabalhador da UFPA, Médico, Professor e pesquisador, Jadir Campos, mestre na área médica e em educação e doutorando em Saúde do Trabalhador na Universidad Internacional Tres Fronteras, de Buenos Aires (Argentina), conversou com a Adufpa sobre a correlação entre as políticas para a educação superior pública no Brasil e o adoecimento docente. Em sua recente pesquisa de mestrado, intitulada “Trabalho Docente e Saúde: Tensões da Educação Superior”, que teve como objetivo discutir como as tensões das políticas para a Educação Superior pública estariam levando ao sofrimento e, em consequência, ao adoecimento docente, foram obtidos dados que sugerem que o fomento ao produtivismo e à competitividade, estimulados, sobretudo, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), estão gerando adoecimento mental entre professores da UFPA. De acordo com a pesquisa, uma taxa de 14,13% dos pedidos de afastamento do trabalho de docentes da universidade, entre 2006 e 2010, esteve relacionado a problemas com a saúde mental.

Adufpa: De acordo com sua pesquisa, qual o quadro da UFPA quanto à saúde dos docentes?

Jadir: O quadro da UFPA praticamente se repete em todas as IFES brasileiras, porque isto é uma característica da própria política que o Ministério da Educação (MEC) vem adotando com relação ao trabalho docente. Esta pesquisa, iniciada através do mestrado em Educação, enfoca as políticas que foram criadas pelo governo federal para a educação superior e como elas, de alguma forma, comprometem o trabalho docente, que é intensificado e, na maioria das vezes, não é percebido pelo professor. Essa precarização do trabalho leva a uma situação de sofrimento, inicialmente, e se aquela pessoa que está passando por este sofrimento não tiver condições de superá-lo irá adoecer, pois o docente está submetido a uma série de exigências por conta da política de educação do MEC.

O adoecimento que estamos discutindo aqui é o mental, porém existem outras doenças inerentes à docência: Lesão por Esforço Repetitivo (LER) / Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT), lombalgia, problemas de pregas vocais com alterações da voz (disfonia), entre outros. Porém, neste trabalho, estou me referindo a um problema muito sério, que é o problema da saúde mental. Quando passei pela coordenadoria de saúde do trabalhador da UFPA, tivemos o trabalho de fazer esse levantamento, porque até então não existia absolutamente nada em termos de adoecimento do docente da UFPA, o que seria desvelado se o Projeto do Perfil Epidemiológico dos servidores da UFPA, elaborado por nós, tivesse sido implantado. Nós, modo geral, servidores da UFPA, não sabemos do que adoecemos nem do que morremos. Despertou-nos e inquietou-nos a quantidade de professores que nos procuravam com problemas de saúde mental. E, fizemos um levantamento de 2006 a 2010, levando em consideração aquele professor que nos procurava para se afastar, de alguma forma, em consequência de adoecimento mental. A surpresa – e eu não diria tão surpresa assim – foi a alta incidência de doenças mentais em professores da UFPA. O percentual de professores que pediram afastamento das atividades acadêmicas devido ao quadro de adoecimento mental, neste período, foi de 14,13%. Isto é alto, pois se compararmos com a doença que mais afasta os trabalhadores modo geral, na sociedade, que é a LER-DORT que é da ordem de 7,2%, chegamos a conclusão que no caso da UFPA o adoecimento mental afasta quase que o dobro do percentual que a LER – DORT afasta na sociedade em geral. Ou seja, o índice é muito alto e, por isso, preocupante.

Adufpa: Quais as possíveis causas do adoecimento docente?

Jadir: O que realmente está ocorrendo com o docente é que ele não está percebendo que está sendo “usado” e, digamos assim, imiscuído em um contexto político em que pela falta ou pela exiguidade de recursos financeiros - já que a universidade não arca com as necessidades materiais e de recursos para o desenvolvimento de pesquisas -, os dois órgãos mais importantes de fomento à pesquisa, a Capes e o CNPq, fazem uma triagem produtivista, tornando os docentes bodes expiatórios de um esquema perverso ao professor. Deste modo, o professor vai atrás deste fomento para conseguir recursos para sua pesquisa, para ter acesso às tecnologias, bolsistas etc. O professor que consegue isto acredita que o conseguiu por ser “gênio”, porém, o que não se percebe é que isso o coloca refém do produtivismo, da competição, e impõe a exigência de um grande número de publicações em revistas com qualis elevados. Contudo, eles acreditam que essa realidade faz parte do contexto da universidade e, esta situação é pior na Pós-Graduação, não percebem sua lógica real. Ele acha que “é gênio” por ter conseguido garantir todas suas publicações e aprovação de seus projetos, não percebe que isto na verdade é uma banalização, ou seja, em função dos exíguos recursos disponibilizados para a universidade, é feito uma triagem, e essa triagem é feita assim, dando maior possibilidade de pesquisa àquela pessoa que tem o que chamamos de ‘produtivismo consciente’, que publica muito, que tem seus artigos aprovados em periódicos qualis A, B. Os órgãos de fomento à pesquisa aproveitam-se disto e dizem que os professores tem plena consciência, mas não é bem assim. Quando você tem, de alguma forma, uma retribuição simbólica e remuneratória por algo que você faz, por exemplo: você desenvolve um trabalho, esse trabalho é aquilatado para que você receba um prêmio ou conquiste destaque, essa possibilidade de ter seu trabalho avaliado como o melhor, naturalmente gera no organismo substâncias que dão sensação de bem estar, neurotransmissores que provocam sensação de bem estar e nos “agiganta”, que nós chamamos de endorfinas. A pessoa que se vê envolvida neste contexto, com este “estímulo” à pesquisa e disponibilidade de recursos por ser “gênio”, acredita realmente que isto é ótimo, maravilhoso, a ponto de intensificar ainda mais seu trabalho. No meio deste bojo até o seu lazer é tomado. O professor se vê tão envolvido neste processo, que faz isso porque acredita que esta é a única e melhor forma de se destacar na carreira e conseguir recursos para pesquisa, expressando sua capacidade e adquirindo um status diferenciado em sua categoria. Com o tempo, a exaustão emocional e o cansaço, entre outras contradições, vão fazendo com que este docente apresente sofrimento e se não possuir estrutura emocional adequada adoece sem se perceber. Esse que é o maior problema. O docente não tem consciência do seu processo de adoecimento. É preciso criar políticas que façam o professor perceber que está dentro de uma rede perversa e que isso poderá levá-lo a adquirir doenças psicossomáticas, depressão, Síndrome de burnout entre outras.

Não se iludam, todas essas políticas criadas pelo MEC tem um viés de controle. Por exemplo, quando se impõe uma avaliação quatitativista aos docentes, com uma série de requisitos e pontuações que devem ser preenchidas, isso faz parte de uma política de controle. A Lei de Inovação Tecnológica é outra questão perigosíssima, pois ela incentiva o professor a ser além de produtivista, empreendedor. Essa Lei direciona a pesquisa aos interesses mercantis, sujeitando os docentes a pesquisarem de acordo com o retorno que os resultados da pesquisa darão ao mercado, às empresas e/ou indústria; além disso, outras áreas que não estão ligadas aos interesses industriais e de mercado, são penalizadas, dificilmente tem seus projetos aprovados porque não são “rentáveis”. Aquilo que existia nas universidades em termos da autonomia não existe mais. Tornou-se o que nós chamamos de ‘autonomia consentida’. Você vai até onde a instituição acha que é permitido ir. O próprio docente está comprometido em sua autonomia intelectual, ou seja, ele não tem mais a liberdade de pesquisar o que ele julga e percebe ser importante para a sociedade e para a universidade. Ele tem que pesquisar aquilo que é considerado valido e que dará retorno, no sentido de recompensar monetariamente. Ele acredita que está sendo recompensado intelectualmente, mas infelizmente não está.

Adufpa: Quais são as características apresentadas pelos docentes quando atacados em sua saúde mental?

Jadir: Existem várias doenças mentais, porém duas chamam mais a nossa atenção no que tange a saúde do professor, a Síndrome de burnout e a depressão. A Síndrome de burnout, que é intimamente relacionada ao exercício docente e a depressão, que hoje é a segunda causa que mais afasta do trabalho e, em 2020, será a doença que mais afastará do trabalho, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Hoje, a depressão só perde para LER / DORT, primeira doença que mais afasta trabalhadores de suas atividades.

A pessoa com depressão é aquela pessoa que constantemente se afasta, não tem envolvimento com os colegas, com os pares, procura se isolar. É aquela pessoa que está comumente irritada e não deixa com que ninguém se aproxime ou aborde-a. O cansaço na pessoa que está deprimida é muito frequente, a pessoa sempre relata: “estou cansada”, “estou exausta”, “não consigo produzir o que eu acho que deveria produzir”. Mas, como tem que competir, ela busca de qualquer forma produzir. O docente com quadro depressivo apresenta, constantemente, dor de cabeça e pode apresentar perda do apetite tanto nutricional como sexual.

A Síndrome de burnout tem características especiais. São três as principais características desta Síndrome: a exaustão emocional; a falta de envolvimento com o trabalho, a pessoa perde o interesse e já não tem mais o mesmo entusiasmo de antes; e, finalizando, a despersonalização. A despersonalização, eu considero como médico um termo muito forte, isto é para a escola inglesa, nós, da escola brasileira, chamamos de desumanização. A desumanização se expressa naquele professor que é questionado pelo aluno e responde com pedras na mão e não deixa ninguém sequer intervir, adotando posturas autoritárias: “Aqui o professor sou eu, fique calado”, ou adota posturas similares quando abordado pelas demais pessoas. 

Existem muito mais problemas que comprometem a saúde mental, porém essas duas são as mais expressivas no contexto do adoecimento do docente em função de todas essas mudanças impostas ao mundo do trabalho do professor universitário.

Adufpa: Como ex-coordenador de saúde do trabalhador da UFPA, qual a sua avaliação sobre o papel institucional da universidade para combater esse quadro de elevado adoecimento mental do docente?

Jadir: Quando eu estava na coordenadoria nós fizemos várias discussões sobre o problema do adoecimento de docentes na UFPA. Essas discussões envolveram a Adufpa e o Sindicato dos Técnicos da UFPA (Sindtifes-PA). É lamentável, mas não há realmente um envolvimento Institucional da Administração Superior neste sentido. Não há uma política preocupada com isso. Nós tivemos algumas vezes oportunidade de levar ao atual reitor essas taxas observadas no período de 2006 a 2010. Elaboramos um projeto, o qual está na Pro-Reitoria de Gestão de Desenvolvimento de Pessoal (Progep), que funcionaria como uma intervenção sobre a qualidade de vida do trabalho dos servidores da UFPA. Infelizmente, isso não chegou a ser implantado. Não sei como anda esse projeto atualmente. O projeto foi criado, à época, por mim e pela professora Elen Carvalho, do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), e está disponível como parte do acervo da Progep. É lamentável que a UFPA não dê a devida importância a um tema como este, pois se preocupar com a qualidade do trabalho deveria ser um hábito Institucional.


Christophe Dejours, que é um autor que pesquisa sobre a questão do sofrimento e adoecimento no trabalho, chama esse processo, vivenciado pelos docentes, de psicodinâmica do trabalho, ou seja, você está envolvido no trabalho, mas não tem consciência do processo e organização dele. O trabalho está posto e você vai realizar. Mas nem sempre consegue. Na maioria das vezes você se aproxima do que lhe foi pedido e cria mecanismos para que não sofra por aquilo. O problema é que hoje, as avaliações estão ai, tudo é avaliado. Não que as avaliações não sejam pertinentes, mas depende do tipo de avaliação, de como essa avaliação é conduzida. Isso é que deve ser discutido. Mas, infelizmente, a UFPA não tem dado importância a este problema, pois eu desconheço, até então, essa preocupação institucional.

FONTE: ADUFPA - SEÇÃO SINDICAL - ANDES SN