terça-feira, 28 de maio de 2013

Donny Hathaway: O legado de uma alma em conflito














No dia 30 de janeiro de 1979, Donny Hathaway era encontrado morto na calçada em frente ao Essex House Hotel, em Nova York. A partir daquele instante, uma série de especulações sobre o trágico episódio ganhava corpo. Mero acidente ou ato premeditado? O jovem músico havia caído ou se atirado da janela do edifício? Todos os indícios guiavam a investigação policial à hipótese de suicídio. Aos 34 anos e ainda sob o impacto do sucesso, sua prematura morte chocou a comunidade negra e a todo o mercado fonográfico, que, naqueles anos, celebrava a efervescência da soul music a bordo de fenômenos vocais como Marvin Gaye e Stevie Wonder. Da noite para o dia, familiares, amigos e fãs questionavam-se sobre os motivos que o teriam levado a tal ato e estado de desespero. O quão atormentado seria o cantor e autor de melodias tão tristes e profundas, como outras tão eufóricas e dançantes?
Resposta alguma servia para preencher a lacuna de informações que o ostracismo de seus últimos anos de vida havia instaurado. Apenas os mais próximos ventilavam alguma noção sobre os embates psíquicos que haviam fragilizado sua saúde mental. Mais do que um dos maiores cantores da história da música popular moderna, embalado pelo peso de um grave sísmico e a leveza de agudos altivos e firmes, Hathaway era compositor, arranjador e produtor musical. E é pela qualidade de seus múltiplos dotes que, 40 anos depois da sua morte e três décadas após o lançamento do seminal Everything is everything (1970), sua contribuição à música pop dos anos 60 e 70 até os dias de hoje é exaltada.

“Todos que o escutavam concordavam que Donny era um grande cantor. A Atlantic Records, Curtis Mayfield, King Curtis... Todos entenderam que se tratava de um gênio”, diz o arranjador e amigo Harold Wheeler, em depoimento ao primeiro documentário dedicado à conturbada vida e obra do cantor, Donny Hathaway – Unsung, produzido este ano pela TV One.

Em sua breve e intensa carreira (1970-1979), Hathaway emprestou sofisticação harmônica à simplicidade do r&b. Seu legado extravasa o punhado de hits em paradas de sucesso e o balizamento favorável da crítica para os três álbuns solo que compõem sua trajetória. Filha mais velha do músico, a cantora Lalah Hathaway encontra dificuldades em mensurar o legado das contribuições musicais de seu pai. E ainda mais para avaliar a influência que a sua música ainda causa nos jovens artistas que o citam como influência – Amy Winehouse, Alicia Keys, Raul Midon, Justin Timberlake, rappers como Common, Nas e muitos outros. 
– É impossível avaliar a sua importância e influência no trabalho desses artistas. Acho que o maior legado é o sentido espiritual que ele representou – acredita Lalah. – Quando ouvimos suas canções podemos sentir o que se passava com ele em cada um de seus trabalhos. As pessoas não se cansam de dizer que a voz do meu pai faz chorar, mesmo nas canções mais alegres. Tanto a sua alegria como a sua dor brilham da mesma forma, sempre por uma essência verdadeira.
Em 1945, a Segunda Guerra Mundial havia chegado ao fim, os soldados americanos retornavam para casa e Donny Hathaway nascia em Chicago. Filho de um ex-militar, foi criado em St. Louis, por sua mãe. Lá, desde pequeno acompanhava as apresentações de sua avó, uma respeitada cantora gospel. Prodígio, aos 4 anos já estampava sua figura rechonchuda em cartazes. Aos poucos, suas habilidades como instrumentista e cantor saltaram aos olhos dos colegas de escola, e lhe renderam uma bolsa na prestigiada Howard University, que abrigava afro-descendentes sem restrição, numa época de grande segregação racial. O reconhecimento dos colegas lhe emprestava confiança para deixar de lado a timidez. E inclusive para render-se ao primeiro amor, a vocalista Eulaulah Hathaway. Era meados dos anos 60, a cena musical e noturna de Washington tronava-se elétrica e faminta por jovens talentos – e Hatahaway aproveitava as oportunidades.
Pouco tempo depois, em 1967, ganhava sua primeira filha, Lalah. A responsabilidade batia à porta. E um novo emprego surge como um presente de outra lenda da música black, Curtis Mayfield. Pelo selo de Mayfield, gravou alguns singles e discos, antes de retornar a Chicago para compor e produzir artistas como The Staple Singers, entre outros nomes contratados por gravadoras lendárias, como Chess e Stax Records. A consistência das ideias, a fluidez das composições e a criatividade dos arranjos tecidos em estúdio chamaram a atenção de Roberta Flack, que debutava com duas canções de Hathaway no repertório. Após prensar o single The ghetto, com o Rick Power Trio, sua musicalidade fisgou medalhões do mercado. Entre ele, King Curtis, que o pôs em contato com o diretor artístico e executivo da Atlantic Records, Jerry Wexler (1917-2008).
“Curtis jogou na minha mesa uma fita desse cantor... Fiquei impressionado com o que ouvi. Àquela época costumava dizer que tínhamos dois gênios, Aretha Franklin e Ray Charles. Mas quando Donny surgiu e assinamos contrato fiz questão de anunciar a todos que tínhamos encontrado o nosso grande gênio”, disse Wexler à época.
Sob o guarda-chuva da Atlantic, artistas de peso receberam guarida. Wexler fora o responsável por descobrir e fechar acordos milionários com Ray Charles, Aretha Franklin, Led Zeppelin, Wilson Pickett, Dusty Springfield, entre outros. Em 1969, era chegada a hora de Hathaway, que fez as malas e foi a Nova York gravar seu debute. Escreveu arranjos e compôs todas as faixas de Everything is everything.
“Donny tinha um dom fora do normal. Era perfeccionista e sabia muito bem o que queria. Tudo estava escrito na pauta. Lembro de uma sessão em que ele passou horas repetindo a mesma parte até que soasse da forma como imaginava”, conta Wexler.
Após a boa receptividade do disco e a gravação do hit The Christmas, Hathaway terminou o segundo álbum, auto-intitulado Donny Hathaway. Capitaneado pelo antológico single A song for you e pela bela faixa de abertura, Givin up, o trabalho foi elogiado pela crítica.

– Giving up é uma das maiores canções já feitas – elogia, em entrevista ao Jornal do Brasil, a jovem e talentosa cantora inglesa Joss Stone. – Donny tem controle total sobre todas as etapas do processo. Não há espaço para acidentes, erros… Ele é brilhante e me faz sentir bem demais sempre que ouço suas músicas.

Em 1972, após o nascimento de sua segunda filha, Kenya, Donny uniu forças com Roberta Flack para um álbum recheado de clássicos, interpretados em duetos. O trabalho bateu o terceiro lugar nas paradas e o single Where's the love recebeu uma indicação ao Grammy. Inúmeras propostas e convites para produção de discos e encomendas de canções não paravam de chegar. E o mercado cinematográfico não ficou para trás. Com supervisão de Quincy Jones, foi escalado para compor a trilha para o longa Come back, Charleston blue(1972). “Eu era o supervisor geral do filme e os estúdios pediram que eu gravasse com o melhor compositor que eu conhecia. O mais incrível de eles era ele”, disse Quincy Jones.

Na mesma progressão em que florescia o sucesso, era aplacado por um comportamento irascível, que estranhava até aos amigos mais próximos. Em casa, sintonizava a TV em canais que não transmitiam programa algum. No estúdio, explosões de irritabilidade eram constantes. Enquanto empresários e produtores diziam que tudo estava sob controle, era claro que algo a mais precisava ser feito. “Procurei ajuda médica para saber se realmente havia algo de errado”, revela sua ex-mulher no documentário.
O diagnóstico era claro: paranoia esquizofrênica. Hathaway acreditava que a sua filha Lalah podia enxergar o que se passava dentro dele. Mania de perseguição, crises de ansiedade e de pânico eram mantidas sob controle à base de pesados medicamentos. Aos poucos, sentia-se melhor e deixava o tratamento de lado. A doença permanecia como uma sombra. Em 1973, o lançamento de sua obra derradeira, Extension of a man, não obteve o sucesso alcançado anteriormente. Conforme os sintomas pioravam, ficava mais difícil de ignorar o que acontecia com ele. “Fui visitá-lo no hospital e percebi mudanças repentinas de humor”, afirma o compositor Glen Watts.

De 1974 a 1978, Donny desapareceu da mídia. Perdeu contatos no mercado e rompeu o relacionamento com Eulaulah. Suas pequenas filhas deixaram de ter contato com o pai. E até hoje Lalah lembra-se pouco dos momentos em que estiveram juntos.
– Não lembro direito de como era o meu pai. Tinha apenas seis ou sete anos à época – diz ela.
Em 1978, a febre disco tomava conta das pistas e das rádios. Muitos de seus contemporâneos, entre eles Stevie Wonder e Marvin Gaye, adequavam-se à nova sonoridade, enquanto Hathaway esforçava-se para transpor cinco anos de sofrimento psíquico e obscuridade. Voltou a trabalhar com Roberta Flack, e com ela ganhou força a bordo do hit The closer I get to you. Iniciaram as gravações de um segundo trabalho em dupla. Seus vocais continuavam sólidos, mas seu estado físico e mental eram visivelmente frágeis. Enquanto punha voz numa das faixas, desesperou-se. Saiu correndo do estúdio e foi encontrado chorando no corredor. Dizia estar sendo perseguido e ameaçado de morte. “Os homens brancos querem me matar. Colocaram meu cérebro numa máquina e agora estão roubando minha música e o meu som”, dizia. Na manhã seguinte ao surto, aos 34 anos, sua vida ganhava o ponto final.


FONTE: JB

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Construção midiática da depressão
















Pesquisa conclui que o aumento expressivo da palavra ‘depressão’ na mídia brasileira foi acompanhado por uma ruptura de seu sentido na década de 1990.
 “Não há um dia em que a palavra ‘depressão’ deixe de ser veiculada por um meio de comunicação brasileiro”, garante Ericson Saint Clair. Parece exagero, mas o trabalho do comunicólogo comprovou a inquietação que o motivou: “todos os dias há jornalistas que insinuam que seus leitores podem estar deprimidos.”
Mais do que inquietação, uma antipatia à superexposição do tema na mídia e sobretudo ao viés cientificista e prescritivo que a acompanhava levou o pesquisador à seguinte questão: “como a depressão tornou-se objeto de atenção midiática?”, a qual buscou responder em seu doutorado na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Com base na análise de uma amostra expressiva da imprensa brasileira, Saint Clair não só observou nesse meio um vertiginoso aumento das referências à depressão nas últimas décadas, como também uma ruptura radical de sentido que a palavra sofreu nos anos 1990.
De um mal coletivo, reflexo das agruras sociais, políticas e econômicas do Brasil, especialmente durante a ditadura militar, a depressão passaria a ser compreendida a partir desse período como um mal privado, explicado objetivamente pela ciência e afastada do contexto sociocultural do país.
O comunicólogo atribui essa cisão a uma série de fatores, entre eles o desenvolvimento de novas formas de diagnóstico e tratamento da depressão e a significativa relevância conquistada pelo tema da saúde, tida, especialmente a partir da década de 1990, como uma responsabilidade individual. 
“A mídia passa a adotar um tom claramente
 pedagógico, encorajando seus leitores
 à modificação de seus comportamentos diante
 das ‘verdades descobertas’ pela ciência”
Saint Clair observou ainda que, com o novo sentido midiático da depressão, veio uma reconfiguração da função social que os meios de comunicação reivindicam para si em relação ao problema.
Enquanto nos anos 1970 e 1980 a cobertura sobre depressão era uma maneira de denunciar as formas de dominação política e econômica do governo, a partir de 1990 ela assumiria a tarefa de fornecer informações científicas sobre o tema e promover mudanças de comportamento. “A mídia passa a adotar um tom claramente pedagógico, encorajando seus leitores à modificação de seus comportamentos diante das ‘verdades descobertas’ pela ciência”, analisa o pesquisador.

Depressão na imprensa

Para analisar a trajetória da depressão na imprensa brasileira, Ericson Saint Clair acompanhou quatro décadas (1970-2010) de textos do jornal Folha de São Paulo e da revista Veja em que a palavra ‘depressão’ com sentido psíquico (médico ou não) foi mencionada, independentemente das editorias em que se deram essas menções.
“São dois veículos que geram grande impacto no cenário cultural brasileiro há décadas”, afirma o pesquisador, justificando a escolha das publicações. “Além disso, tem a facilidade metodológica: a Veja e a Folha disponibilizam os arquivos digitalizados de suas edições antigas em seus sites.”
No total, foram avaliados 863 textos segundo uma série de categorias, entre elas a editoria em que a matéria fora publicada, fontes citadas, se a depressão é o tema principal da matéria e qual é o sentido dessa palavra nela – transtorno ou distúrbio, doença ou outra classificação. 

Sentidos para a depressão

Segundo Saint Clair, a palavra ‘depressão’ vem do termo latino depressare, que significa ‘pressão para baixo’. Essa definição pode ter desde o sentido de depressão física, até de depressão econômica ou de depressão geológica.
No caso da amostra analisada, a palavra ‘depressão’ é usada, entre as décadas de 1970 e 1990, majoritariamente como referência às mazelas socioeconômicas do país. “Mas mesmo com esse sentido, a palavra também estava atrelada a uma questão política, não apenas por conta da ditadura, mas por causa do questionamento que a crise da economia gerava em relação ao regime”, explica o pesquisador. “Havia, assim, os ‘deprimidos’, como os políticos exilados, cassados e desempregados, e a ‘depressão’ do Brasil como um todo, nesse cenário de flagelo sociocultural e político”, completa.
Foi só no começo da década de 1990, como Saint Clair mostra em sua tese, que o termo passou a adquirir o sentido mais recorrente na imprensa atual. Na maioria de suas aparições a partir desse período, depressão designa um transtorno psíquico passível de instrumentalização por saberes técnicos especializados.
Desde que iniciou a pesquisa, o comunicólogo dispõe de uma ferramenta on-line que o alerta para a menção da palavra ‘depressão’ em sites de jornais, revistas e em blogues. Isto vem lhe permitindo computar a ocorrência diária do termo e observar os usos e sentidos da palavra nesses meios. 
Mesmo o sentido médico da palavra tem
 sido extrapolado na sociedade brasileira,
 que a evoca para falar das diferentes 
formas de experiência do sofrimento
O pesquisador destaca que mesmo o sentido médico e científico da palavra, predominante na mídia hoje, tem sido extrapolado na sociedade brasileira, que a evoca cada vez mais para falar das diferentes formas de experiência do sofrimento. “A utilização banalizada da palavra ‘depressão’ como transtorno mental parece-nos um relevante sintoma da incapacidade de uma cultura de simbolizar afetos tristes em geral sem apelar para uma concepção estritamente técnica e pragmática das manifestações de tristeza humana”, ressalta.
Atualmente Saint Clair dá continuidade à pesquisa em seu pós-doutorado na UFRJ, no qual ele trata não apenas da depressão, mas também de outros distúrbios psiquiátricos. “Agora eu passo a acompanhar como vem se dando a produção de sentido na mídia acerca de diversos outros transtornos psíquicos”, completa.

FONTE: Déborah Araujo / Ciência Hoje On-line

terça-feira, 14 de maio de 2013

Transtornos mentais podem estar ligados às pressões no trabalho, aponta estudo da USP

















Um estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) mostrou de que forma os transtornos mentais podem estar ligados a pressões impostas no ambiente de trabalho. Esta é a terceira razão de afastamento de trabalhadores pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

O coordenador da pesquisa, o médico do trabalho João Silvestre da Silva-Júnior, trabalha como perito da Previdência Social há seis anos e, tendo observado a grande ocorrência de afastamentos por causas ligadas ao comportamento, decidiu investigar o que tem provocado distúrbios psicológicos.


O cientista notou que a violência no trabalho ocorre pela humilhação, perseguição, além de agressões físicas e verbais e listou quatro razões principais que prejudicam a saúde mental no ambiente corporativo.

A primeira delas é a alta demanda de trabalho. “As pessoas têm baixo controle sob o seu ritmo de trabalho; elas são solicitadas a várias e complexas tarefas”, disse o pesquisador. O outro aspecto são os relacionamentos interpessoais ruins, tanto verticais (com os chefes), quanto horizontais (entre os próprios colegas).

A terceira razão é o desequilíbrio entre esforço e recompensa. “Você se dedica ao trabalho, mas não tem uma recompensa adequada à dedicação. A gente não fala só de dinheiro. Às vezes, um reconhecimento, um elogio ao que você está desempenhando”, explica Silvestre. O último aspecto citado pelo pesquisador é a dedicação excessiva ao trabalho, que também pode afetar a saúde mental.

A pesquisa coletou dados na unidade de maior volume de atendimentos do INSS da capital paulista, a Glicério. Foram ouvidas 160 pessoas com algum tipo de transtorno mental. Silvestre informa que, entre as pessoas que pediram o auxílio doença nos últimos quatro anos, uma média de 10% apresentava algum tipo de transtorno.

Segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social de 2011, mais de 211 mil pessoas foram afastadas em razão de transtornos mentais, gerando um gasto de R$ 213 milhões em pagamentos de benefícios. “Quando você entende o que gera os afastamentos, você pode estabelecer medidas para evitar os gastos”, disse. As doenças mentais só perderam, naquele ano, para afastamentos por sequelas de causas externas, como acidentes, e por doenças ortopédicas.

Em São Paulo, a pesquisa constatou a alta presença de trabalhadores do setor de serviços, como operadores de teleatendimento, profissionais da limpeza e da saúde com doenças mentais. “Mas essa variável do tipo de trabalho não se apresentou significativa no nosso estudo. Ela não apareceu como algo que influencia o aparecimento do transtorno mental incapacitante”, relata.

A pesquisa apontou que o perfil predominante entre os afastamentos foi o feminino e alta escolaridade (mais de 11 anos de estudo). Mas Silvestre alerta para uma distorção, porque as mulheres têm maior cuidado com a saúde, o que aumenta a presença feminina nas estatísticas.

“O sexo feminino apresentar uma maior possibilidade de transtorno mental está relacionado às mulheres terem facilidade em relatar queixas. Reconhece-se que as mulheres procuram os médicos com mais facilidade, elas têm uma maior preocupação com a saúde do que os homens”, contou. De acordo com o cientista, os homens demoram a ir ao médico e, quando vão, encontram-se em situação mais grave.

O fator escolaridade, segundo o estudo, pode afetar a percepção da existência das doenças. A maioria dos afastamentos ocorre com indivíduos de alta escolaridade, pois eles são mais esclarecidos. “As pessoas conseguem ter uma maior percepção de que o ambiente de trabalho está sendo opressor. Quando ela percebe que ali é um local ruim de trabalhar, ela vem a adoecer, a ter o distúrbio psicológico e termina se afastando”, disse.

Para melhorar o clima no trabalho e prevenir doenças, Silvestre recomenda que os profissionais ligados à saúde e segurança do trabalho das empresas tenham consciência sobre onde estão os fatores de risco. Ele sugere também uma melhora da fiscalização por parte dos ministérios do Trabalho e da Saúde.

FONTE: AGÊNCIA BRASIL / Fernanda Cruz

‘Infeliz, nunca fui; eu fiquei doente’, afirma Paula Fernandes












Cantora teve depressão na adolescência e faz terapia até os dias de hoje.


“É um choro que não cessa, um sono e um apetite que não voltam”.  Quem vê Paula Fernandes nos palcos nunca imaginaria que essa era a sua rotina na adolescência.

A cantora teve depressão e não acreditava que uma menina de 17 anos poderia estar com a doença.  Durante o período de dois a três anos, Paula deu um tempo na carreira musical e até chegou a fazer um curso de secretariado. Além da depressão, ela também tinha crises de pânico e o simples barulho de uma sirene já lhe provocava medo.

A depressão tem como sintomas a falta de prazer e o sentimento de tristeza profunda. Foi assim que Paula começou a saber que algo estava errado. “Percebi que alguma coisa não estava bem, perdi o apetite, quase não dormia, chorava muito e vivia angustiada”, disse, em entrevista por telefone ao Fantástico, depois de saber que o programa trataria dessa doença no quadro “Males da Alma”.

Paula acredita que teve depressão por causa de seu estilo de vida quando muito jovem. “Eu não fui uma menina comum. Em vez de ir às festinhas, eu era o evento. Eu sentia falta de algo que não sabia o que era. Me relacionar com as pessoas, ter um namorado. Eu não culpo ninguém, mas foi uma consequência das minhas escolhas pela carreira”, contou.

Paula começou a investir na carreira musical aos oito anos e recebeu muitos ‘não’ no começo. Durante a adolescência, a falta de uma vida considerada ‘normal’ pesou e a cantora teve depressão aos 16. “A primeira lembrança que eu tenho é de quando eu tinha 16 anos e comecei a ter uma pequena arritmia. Ninguém acreditava que isso poderia ser sintoma de uma crise de pânico”, conta.

Depois de aceitar o tratamento, Paula começou a tomar os remédios.  “A fase mais difícil é a que você está ignorante sobre o que está sentindo. Acha que vai morrer e não sabe o que está acontecendo. 

Outra fase é a em que você começa a melhorar, mas não acredita nisso até tomar confiança”, disse.
A cantora deixou o quadro depressivo há cerca de dez anos, mas até hoje faz terapia e se preocupa em manter uma vida saudável. Para ela, o mais importante é acabar com o preconceito e assumir a doença.

“Para aquelas que desconfiam, a primeira coisa que tem que fazer é perder o preconceito. E para aquelas que já descobriram, é continuar o tratamento. O preconceito é o maior dos problemas. Qualquer pessoa pode ter depressão e muita gente jura de pé junto que não tem. Isso é um dos maiores problemas!”, disse.

Se Paula não tivesse aceitado o tratamento, as coisas poderiam ser diferentes, segundo ela. “Eu não estaria aqui, teria feito alguma bobagem”, conta. A cantora também afirma que nunca pensou em se matar: “Eu nunca teria coragem, e uma coisa que não perdi foi a consciência”.

Hoje, ela considera que a doença foi um impulso na carreira e serviu de fortalecimento. “Infeliz, nunca fui; eu fiquei doente”, afirmou.



 FONTE: FANTÁSTICO / REDE GLOBO / PERLA RODRIGUES

sábado, 11 de maio de 2013

DEPRESSÃO INFANTIL E NA ADOLESCÊNCIA













A palavra depressão é usada com grande liberdade. Basta um pequeno problema, uma desfeita, um desencontro emocional, um prejuízo financeiro, para nos declararmos deprimidos. Embora seja empregada como sinônimo de tristeza, tem pouco a ver com esse sentimento.
Depressão é uma doença grave. Se não for tratada adequadamente, interfere no dia a dia das pessoas e compromete a qualidade de vida. Nos adultos, é mais fácil de ser diagnosticada. Eles se queixam e, mesmo que não o façam, suas atitudes revelam que não se sentem bem e a família percebe que algo de errado está acontecendo. Com as crianças, é diferente. Elas aceitam a depressão como fato natural, próprio de seu jeito de ser. Embora estejam sofrendo, não sabem que aqueles sintomas são resultado de uma doença e que podem ser aliviados. Calam-se, retraem-se e os pais, de modo geral, custam a dar conta de que o filho precisa de ajuda.
SINAIS DA DEPRESSÃO INFANTIL

Drauzio  Quais são os sinais de depressão que devem ser observados na criança, uma vez que ela não reconhece que está deprimida?

Sandra Scivoletto – A criança tem grande dificuldade para expressar que está deprimida. Primeiro, porque não sabe nomear as próprias emoções. Depende do adulto para dar o significado daquilo que se chama tristeza, ansiedade, angústia. Por isso, tende a somatizar o sofrimento e queixa-se de problemas físicos, porque é mais fácil explicar males concretos, orgânicos, do que um de caráter emocional.

Alguns aspectos do comportamento infantil podem revelar que a depressão está instalada. Por natureza, a criança está sempre em atividade, explorando o ambiente, querendo descobrir coisas novas. Quando se sente insegura, retrai-se e o desejo de exploração do ambiente desaparece. Por isso, é preciso estar atento quando ela começa a ficar quieta, parada, com muito medo de separar-se das pessoas que lhe servem de referência, como o pai, a mãe ou o cuidador. Outro ponto importante a ser observado é a qualidade de sono que muda muito nos quadros depressivos.
O que se tem percebido nos últimos anos é que a depressão, na infância, caracteriza-se pela associação de vários sintomas que vão além da ansiedade de separação manifesta quando a criança começa a frequentar a escola, por exemplo, e incluem até de medo de comer e a escolha dos alimentos passa a ser seletiva.
Portanto, a criança pode estar dando sinais de depressão quando a ansiedade de separação persiste e ela reclama o tempo todo de dores de cabeça ou de barriga, nunca demonstrando que está bem.
Drauzio – Quais são as características do sono da criança deprimida?

Sandra Scivolletto – Na depressão infantil, o sono começa a ser interrompido por pesadelos e o medo de ficar sozinha faz com que reclame e chore muito na hora de dormir. Não é o choro de quem quer continuar brincando. É um choro assustado, indicativo do medo que está sentindo o tempo todo.

Drauzio – Quando os quadros de depressão passaram a ser reconhecidos na infância?

Sandra Scivoletto – O reconhecimento da depressão na infância é relativamente recente na psiquiatria, justamente pela dificuldade que a criança tem de referir-se ao que sente. Por isso, muitas vezes, era considerada portadora de fobias específicas, tais como os transtornos comportamentais e a ansiedade de separação. Foi só há mais ou menos 20 anos, que a doença passou a ser reconhecida em adolescentes, uma vez sua forma de expressão é diferente da dos adultos.

DIAGNÓSTICO

Drauzio – Como você diferencia a depressão dos distúrbios de hiperatividade e atenção?

Sandra Scivoletto – Na criança, é bem fácil diferenciar a hiperatividade da depressão. Criança hiperativa não para quieta, mexe-se o tempo todo, principalmente os meninos. Entretanto, existe um subtipo de hiperatividade que se caracteriza pela desatenção. A criança não é hiperativa fisicamente, mas não consegue focar a atenção, por isso se retrai e vai abandonando as atividades. Muitos a consideram desligada, mas ninguém a considera uma criança triste.

Ao contrário, criança deprimida logo demonstra que não se interessa por nada e não há brincadeira que a faça sentir-se melhor. Fica parada o tempo todo e quer sempre alguém em que confie por perto.
Drauzio – Crianças deprimidas perdem a iniciativa?

Sandra Scivoletto – Perdem a iniciativa e deixam de aprender. Na escola, apresentam várias dificuldades de aprendizado e, num primeiro momento, são encaminhadas para a avaliação do oftalmologista, do otorrino, da fonoaudióloga. Passam também por testes específicos para o déficit de atenção e hiperatividade. No passado, o diagnóstico de depressão era feito por exclusão. Hoje se sabe que sintomas como alterações do apetite e do sono, diminuição da atividade física, medo excessivo, duradouro e persistente, são próprios da depressão infantil.


FATORES DE RISCO 

Drauzio – Existem fatores desencadeantes que aumentam o risco de quadros depressivos nas crianças?

Sandra Scivoletto – Existem. Como nos adultos, luto, perdas, separação dos pais, dificuldade de adaptação a situações novas, mudança de escola e de domicílio podem gerar estresse, que vai desgastando a criança e conduzindo a um quadro depressivo. No entanto, na maioria dos casos, existe um componente hereditário, genético, mais significativo do que nos adultos, responsável pelo desencadear quadros de depressão na criança.

Drauzio – Filhos de pais depressivos ou com parentes próximos com quadros de depressão correm maior risco de apresentar o problema?

Sandra Scivoletto – Correm, e a depressão que se inicia na infância, geralmente, é mais grave. Por isso, a criança deve ser tratada o mais rápido possível.

Drauzio – Qual é o inconveniente de não diagnosticar a doença e não iniciar o tratamento precocemente?

Sandra Scivoletto – Primeiro, a dificuldade de aprendizado é grande. Depois, a criança vai crescer achando que a alegria estampada nas outras pessoas não foi feita para ela e conforma-se com esse referencial. Mais tarde, quando adolescente, estará mais propensa ao uso de drogas, porque irá procurar alguma coisa que alivie esse desconforto permanente. Não é possível que só os outros consigam ser felizes.

Drauzio – Num primeiro momento, as drogas fazem isso num piscar de olhos…

Sandra Scivoletto - Juntar o imediatismo próprio do adolescente com o alívio momentâneo que a droga dá é um caminho que passa a falsa impressão de que o problema está resolvido. Isso torna a situação mais difícil ainda. Quando ouve que deve abandonar o uso de droga, ele argumenta: “Logo agora que estou me sentindo bem e sem a droga passo mal?”.

Drauzio – Nos adultos, a estimativa é que para os quadros depressivos sejam mais frequentes nas mulheres (três mulheres para cada homem). Nas crianças, essa diferença entre os sexos também existe?

Sandra Scivoletto – Na infância, a ocorrência de depressão é praticamente igual nos dois sexos. A diferenciação começa na adolescência, fase em que as meninas são mais vulneráveis. Sem dúvida, a questão hormonal interfere consideravelmente nesse processo.

SINAIS NA ADOLESCÊNCIA 

Drauzio – Existe alguma diferença entre o quadro clínico da depressão infantil e da depressão na adolescência?

Sandra Scivoletto – Existe, principalmente nos meninos, até por fatores culturais. O menino não internaliza as emoções como a menina, que se tranca no quarto e chora. Ele se torna extremamente agressivo, fica na defensiva o tempo todo e sai brigando com o mundo.

Basta alguém lhe dizer bom-dia, para achar que o estão acusando de alguma coisa. Rebelde e desafiador, está permanentemente em confronto. Cria problemas na escola, em casa e entra em conflito com as figuras hierárquicas. Irrita-se com muita facilidade e essas reações, às vezes, são confundidas com algum transtorno de comportamento. Quando se fala aos pais que ele está deprimido, eles reagem: “Como? Se ele tem uma energia para brigar que não tem fim?”.
Na realidade, o adolescente deprimido age como se a melhor defesa fosse o ataque e, se conseguimos ultrapassar essa barreira, ele se mostra muito angustiado e chora.
Drauzio – Pensando na minha infância, na infância de minhas filhas e das crianças que vi crescer, acho que toda criança tem fases em que se mostram mais quietas e caladas e, às vezes, apresentam dificuldade de adaptação na escola. O limite entre o que acontece com a criança sem maiores problemas e as que têm distúrbios mais sérios é muito sutil. O que deve ser valorizado nesses casos?

Sandra Scivoletto – Crescer é doloroso. Só crescemos quando o incômodo é maior do que o medo da mudança. Aí, tomamos coragem e damos um salto. Isso acontece ao longo da vida e na infância inteira. A criança tem medo de dormir fora de casa, mas, convidada por um amigo, pensa – “Se eu não for porque estou com medo, não vou poder brincar com meu amigo” – e a vontade de estar com ele supera o medo. A criança deprimida não tem essa vontade e, consequentemente, não encara os desafios. Retomando as reações da criança normal, diante da dificuldade ela se retrai, fica mais quieta. É um comportamento de proteção, desejável, que evita situações de maior risco. Entretanto, a partir do momento em que se sente mais confiante, encara e vence o obstáculo. Isso é motivo de enorme alegria que a ajuda a fortalecer a autoestima e a aumentar a autoconfiança.

A criança deprimida não dá esse salto. Aliás, não tem autoestima, sente-se permanentemente incapaz, não enfrenta desafios. Como é mais difícil desistir do que tentar, vai sofrendo um afunilamento das atividades.
A adolescência é uma fase de crises, mas de crises extremamente breves, fugazes. No mesmo dia, pela manhã, o adolescente é a pessoa mais infeliz do mundo e, à noite, o mais alegre, porque conseguiu enfrentar e resolver os problemas que o afligiam. No deprimido, o processo da crise é longo, permanente.
REAÇÃO DOS PAIS 

Drauzio – Respeitadas as diferenças de cada família, como costuma ser o comportamento dos pais diante de um filho com depressão?

Sandra Scivoletto – A primeira reação, principalmente se existem outros filhos, é de alívio. “Que bom, como ele é quietinho, não dá trabalho nenhum!”, eles dizem, porque durante o dia não demanda atenção, fica quietinho no seu canto. Todavia, à noite, quando afloram os medos, ele começa a incomodar, porque não quer ficar sozinho, nem deixa os pais saírem de perto. Geralmente, essa dificuldade de desligar-se acaba gerando conflito entre os cônjuges. O pai acha que a mãe está superprotegendo a criança, que está cada vez mais mimada.

O que acontece com a maioria dos filhos? Longe dos pais, da mãe principalmente, eles são ótimos, alegres, comunicativos. Já a criança deprimida fica quietinha num canto, não brinca. Não é que seja muito agarrada à mãe. Mesmo longe dela, mostra-se retraída, quieta.
Os pais têm enorme resistência em entender esse comportamento como doença. A primeira leitura é interpretá-lo como erro de criação e sentem-se culpados. Na grande maioria dos casos, a criança é encaminhada para psicólogos e só depois de um ou dois anos, quando a terapia não resolveu, é que procuram outro profissional.
Drauzio – Como vocês lidam com esses casos?

Sandra Scivoletto - Temos trabalhado muito no sentido de sair do consultório e do ambiente hospitalar para atuar nas escolas com os professores. São eles as pessoas mais capacitadas, não para o diagnóstico, mas para traçarem uma avaliação do comportamento da criança. Os pais estão emocionalmente envolvidos e fica difícil para eles assumir essa tarefa.

SUICÍDIO 

Drauzio – Muitos adolescentes se suicidam, às vezes, por motivo aparentemente banal, mas no fundo, por trás desse gesto, está a depressão. Quadros de depressão não reconhecida e não tratada podem levar a extremos como esse?

Sandra Scivoletto – Felizmente, o suicídio infantil é raro, porque a criança tem uma visão diferente da morte. Não a vê como fim do sofrimento. É como se fosse um sono do qual acordará depois.

Na infância, o mais comum é surgir um comportamento que chamamos de parassuicida. Acidentes podem acontecer com todas as crianças, mas com a criança deprimida são frequentes, porque ela não se protege, cai da árvore, é atropelada, arrebenta-se andando de bicicleta. Mal se refez de um, está metida em outro acidente. Parece que nunca aprende a resguardar-se.
Na adolescência, a intensidade dos sentimentos e emoções aumenta. Adolescentes são mais imediatistas e querem resolver rápido a situação que tanto os incomoda. Por isso, num impulso, em momentos de extrema angústia, cometem suicídio. É muito difícil perceber neles uma ideação suicida estruturada e planejada ao longo do tempo.
O que se tem notado, nessa faixa de idade, é a tendência ao envolvimento com gangues. Dão a impressão de que se sentem atraídos pela ideia de morte e, como não têm coragem para matar-se, enredam-se em situações em que um tiro disparado por outra pessoa, será a melhor solução para o problema, já que não têm nada a perder.
TRATAMENTO

Drauzio – No tratamento das crianças com depressão há sempre necessidade do uso de medicamentos?

Sandra Scivoletto – Não. Na infância, conseguimos controlar alguns casos leves e reconhecidos precocemente com psicoterapia e a orientação dos pais. Entretanto, como a depressão tem um componente genético muito forte, em certos casos, a necessidade de medicação torna-se quase compulsória.

Drauzio – Como nos adultos, a medicação precisa ser usada por bastante tempo?

Sandra Scivoletto – Não. Felizmente, a criança responde muito mais depressa aos medicamentos do que o adulto e, quanto menor for o tempo de uso da medicação, melhor. O que se faz, nesses casos, é indicar um antidepressivo numa dose a mais baixa possível até a criança começar a apresentar o comportamento esperado para a idade. Isso demora uns dois meses aproximadamente. Sedimentado esse comportamento, suspende-se o remédio, mas tanto a introdução, quanto sua retirada, são feitas aos poucos, lentamente.

Drauzio – Às vezes, comentários na imprensa leiga sugerem que alguns medicamentos para a depressão infantil aumentariam a ocorrência de suicídios. Existe alguma relação cientificamente comprovada nesse sentido?

Sandra Scivoletto – O que acontece é que adolescentes muito deprimidos pensam em morrer, mas a depressão é tão intensa que eles não têm o impulso para tentar o suicídio. Quando começam o tratamento para a depressão, o que primeiro melhora é a iniciativa e não o humor. Não é que o antidepressivo tenha um efeito colateral que leve ao suicídio. Não, infelizmente o humor é a última coisa que melhora.

Por isso, insistimos em que ninguém pode usar antidepressivos sem ser acompanhado de perto por um médico, porque é preciso reconhecer o momento em que há essa passagem ocorre e redobrar a atenção.

FONTE: Sandra Scivoletto é médica psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, coordenadora do Grupo de Estudos Álcool e Drogas e responsável pelo Ambulatório de Adolescentes do Hospital das Clínicas da FMUSP

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Serotonina; o que é isso

A Serotonina é um neurotransmissor
 que conduz a transmissão de
 um neurônio para outro. 

Serotonina é um composto orgânico encontrado primeiramente no sangue. Em 1948 a serotonina foi parcialmente purificada, cristalizada e nomeada. Mais tarde descobriu que a serotonina é amplamente encontrado em toda natureza, assim como em outras partes do corpo além do sangue.

Também foi encontrado Serotonina em picadas de vespa, no veneno do escorpião e em uma variedade de alimentos, tais como abacaxi, banana ameixas, nozes, peru, presunto, leite e queijo. Além disso, a serotonina tem sido encontrada no intestino humano, plaquetas e cérebro.

Serotonina desempenha um papel no organismo é como um neurotransmissor no cérebro. A falta de serotonina no organismo pode resultar em carência de emoção racional, sentimentos de irritabilidade e menos valia, crises de choro, alterações do sono e uma série de outros problemas emocionais.

Para nosso propósito, entendemos que a Serotonina é uma substância chamada de neurotransmissor e existe naturalmente em nosso cérebro. Sua função é conduzir a transmissão de uma célula nervosa (neurônio) para outra. Quimicamente a serotoninaou 5-hidroxitriptamina (5-HT) é uma indolamina, produto da transformação do aminoácido L-Triptofano. 

triptofano, conhecido também como 5-HTP (5-hidroxitriptofano), é um nutriente encontrado em alimentos ricos em proteínas, como carne, peixe, peru e laticínios. Sua importância na psiquiatria deve-se ao fato de ser o precursor direto da serotonina. Atualmente a serotonina está intimamente relacionada aos transtornos do humor, ou transtornos afetivos e a maioria dos medicamentos antidepressivos agem produzindo um aumento da disponibilidade dessa substância no espaço entre um neurônio e outro.

serotonina influi sobre quase todas as funções cerebrais, inclusive estimulando o sistema GABA (ácido gamaminobutírico) e, embora seja apenas um, entre centenas de outros neurotransmissores do cérebro, atualmente a serotonina é considerada um dos mais importantes deles. Os níveis de serotonina determinam se a pessoa está deprimida, propensa à violência, irritada, impulsiva ou gulosa.

Assim como a serotonina pode elevar o humor e produzir uma sensação de bem-estar, sua falta no cérebro ou anormalidades em seu metabolismo têm sido relacionado a condições neuropsíquicas bastante sérias, tais como o Mal de Parkinson, distonia neuromuscular, Mal de Huntington, tremor familiar, síndrome das pernas inquietas, problemas com o sono, etc. Problemas psiquiátricos, tais como depressão, ansiedade, agressividade, comportamento compulsivo, problemas afetivos, dentre outros, também têm sido associados ao mau funcionamento do sistema serotoninérgico.

Com essa base fisiológica, alguns pesquisadores afirmam que aumentando-se os precursores naturais da serotonina pode-se, seguramente, elevar seus níveis e aliviar a depressão, dor e o desejo por carboidratos . O triptofano tomado como suplemento dietético pode ser eficaz contra a depressão e completar a ação dos antidepressivos tradicionais.

triptofano pode ser encontrado em altas concentrações na semente de um legume chamado Griffonia simplicifolia, encontrado no Oeste da África. O leite e seus derivados também são fontes de 5HTP, assim como a carne de peru. Outras fontes de triptofano: requeijão, carne, peixe, banana, tâmara, amendoim, todos os alimentos ricos em proteínas.

Serotonina e o Humor
Em meados desse século a medicina começou a suspeitar ser muito provável existirem substâncias químicas atuando no metabolismo cerebral capazes de proporcionar o estado depressivo. Isso resultou, nos conhecimentos atuais dos neurotransmissores e neuroreceptores, muitíssimo relacionados à atividade cerebral.


De fato, alguns neurotransmissores, notadamente a serotoninanoradrenalina e dopamina, estão muito associados ao estado afetivo das pessoas. As pesquisas que inicialmente procuraram embasar a teoria de que a depressão depende (também) de baixos níveis de serotonina, tomaram como ponto de partida a observação de que uma dieta livre de triptofano, a ponto de produzir um pico plasmático muito baixo deste aminoácido, resultava em um estado depressivo moderado (Charney). O triptofano, como vimos acima, é um precursor natural da serotonina.

Também foram realizados testes em pacientes gravemente deprimidos, bem como em pacientes suicidas, constatando-se baixíssimos níveis da serotonina no líquido espinhal dessas pessoas. Assim sendo, hoje em dia é mais correto acreditar que o paciente deprimido não é apenas uma pessoa triste, aliás, alguns deprimidos nem tristes ficam, sendo mais certo acreditar que o deprimido seja uma pessoa com um transtorno da afetividade, concomitante ou proporcionado por uma alteração nos neurotransmissores neuroreceptores.

O transtorno afetivo mais típico é a Depressão com todo seu quadro clínico conhecido, e são vários os fatores que contribuem para sua causa - entre eles destaca-se cada vez mais a importância da bioquímica cerebral. Os quadros ansiosos do tipo Pânico, Fobias, Somatizações ou mesmo a Ansiedade Generalizada são problemas afetivos muito freqüentes, e já se aceita que todos eles tenham como base psíquica as alterações da Afetividade

Os antidepressivos são drogas que aumentam o tônus psíquico melhorando o humor e, conseqüentemente, melhorando o desempenho da pessoa de maneira global. Acredita-se que o efeito antidepressivo se dê às custas de um aumento da disponibilidade de neurotransmissores no SNC, notadamente da serotonina (5-HT), da noradrenalina ounorepinefrima (NE) e da dopamina (DA). Ao bloquearem receptores 5HT2 da serotoninaos antidepressivos também funcionam como drogas antienxaqueca.

O local de ação dos antidepressivos, principalmente os tricíclicos, é no Sistema Límbico aumentando a noradrenalina e a serotonina na fenda sináptica . Este aumento da disponibilidade dos neurotransmissores na fenda sináptica é conseguido através da inibição na recaptação destas aminas pelos receptores pré-sinápticos.
  
Parece haver também, com o uso prolongado dos antidepressivos tricíclicos, uma diminuição do número de receptores pré-sinápticos do tipo Alfa-2, cuja estimulação do tipo feedback inibiria a liberação de noradrenalina. Desta forma, quanto menor o número destes receptores mais noradrenalina estaria disponível na fenda sináptica. Portanto, dois mecanismos relacionados à recaptação; um inibindo diretamente a recaptação e outro diminuindo o número dos receptores. Importa, em relação à farmacocinética dos antidepressivos tricíclicos, o conhecimento do período de latência para a obtenção dos resultados terapêuticos.

Será, portanto, nos sistemas noradrenérgico o serotoninérgico do Sistema Límbico o local de ação das drogas antidepressivas empregadas na terapia dos transtornos da afetividade.

De modo geral a serotonina regula o humor, o sono, a atividade sexual, o apetite, o ritmo circadiano, as funções neuroendócrinas, temperatura corporal, sensibilidade à dor, atividade motora e funções cognitivas.

Para se ter uma noção da influência bioquímica sobre o estado afetivo das pessoas, basta lembrar dos efeitos da cocaína, por exemplo. Trata-se de um produto químico atuando sobre o cérebro e capaz de produzir grande sensação de alegria, ou seja, proporciona um estado emocional através de uma alteração química. Outros produtos químicos, ou a falta deles, também podem proporcionar alterações emocionais.

Por outro lado, os Transtornos da Ansiedade, principalmente o Transtorno Obsessivo-Compulsivo e o Transtorno do Pânico, também estariam relacionados à Serotonina, tanto assim que o tratamento para ambos também é realizado às custas de antidepressivos, os quais aumentam a disponibilidade de Serotonina no Sistema Nervoso Central. Nesses estados ansioso, um outro neurotransmissor, a noradrenalina, também estaria diminuído.

A ação terapêutica das drogas antidepressivas tem lugar no Sistema Límbico, que é o principal centro cerebral das emoções. Este efeito terapêutico é conseqüência de um aumento funcional dos neurotransmissores na fenda sináptica (espaço entre um neurônio e outro), principalmente da norepinefrina e/ou da serotonina e/ou da dopamina, bem como alteração no número e sensibilidade dos neuroreceptores. O aumento de neurotransmissores na fenda sináptica pode se dar através do bloqueio da recaptação desses neurotransmissores no neurônio pré-sináptico (neurônio anterior) ou ainda, através da inibição da enzima responsável pela inativação destes neurotransmissores, a Monoaminaoxidase (MAO). Serão, portanto, os sistemas noradrenérgico, serotoninérgico e dopaminérgico do Sistema Límbico os locais de ação das drogas antidepressivas empregadas na terapia dos transtornos da afetividade.

Mas não é apenas a concentração e quantidade de neurotransmissores as responsáveis pelos transtornos do humor. Cada vez mais se constata o envolvimento dos receptores (quantidade e sensibilidade) desses neurotransmissores na origem da Depressão, assim como na sintomatologia da Ansiedade. Parece ser este um importante ponto de partida para a identificação, diagnóstico e terapêutica desses dois fenômenos psíquicos (ansiedade e depressão) (Bromidge e cols, 1998, Kennett e cols, 1997).

No Sono 
Baixos níveis de serotonina estão também relacionados com alterações do sono, tão comuns em pacientes ansiosos e deprimidos. A serotonina é a mediadora responsável pelas fases III e IV do sono. A diminuição da latência da fase REM (Rapid Eyes Moviment) do sono, de indiscutível ocorrência na depressão unipolar e no transtorno obsessivo-compulsivo, se deve ao desequilíbrio entre a serotonina e acetilcolina. Os antidepressivos recaptadores de serotonina servem para restabelecer a chamada arquitetura do sono dos pacientes depressivos, ansiosos e até dos dependentes de hipnóticos (Lehkuniec).


Como vimos, as alterações do sono dos transtornos ansiosos e do humor, normalmente insônia, deve-se ao desequilíbrio entre a serotonina e um outro neurotransmissor, a acetilcolina e o tratamento com antidepressivos pode melhorar a qualidade do sono. Outro efeito muito útil dos antidepressivos é em relação ao tratamento de pessoas dependentes de medicamentos hipnóticos (para dormir), já que estes podem proporcionar um certo desequilíbrio na acetilcolina.

Na Atividade Sexual
serotonina apresenta um efeito inibidor sobre a liberação de hormônios sexuais (gonadotrofinas) pelo hipotálamo, e conseqüente diminuição da resposta sexual normal. A diminuição farmacológica da serotonina, seja através de medicamentos ou por competitividade aminérgica, facilita a conduta sexual. Isso quer dizer que quanto mais serotonina menos hormônio sexual, menos atividade sexual, portanto, alguns antidepressivos que aumentam a serotonina acabam por diminuir a atividade sexual.


No Apetite
A vontade de comer doces e a sensação de já estar satisfeito com o que comeu (saciedade) dependem de uma região cerebral localizada no hipotálamo (núcleo hipotâlamico ventro-medial). O efeito hipotâlamico ventro-medial da serotonina é altamente específico apenas para os hidratos de carbono, necessitando de outros co-fatores centrais e periféricos para agir sobre os outros alimentos, como as proteínas e lípides.


Portanto, com taxas normais de serotonina a pessoa sacia-se mais facilmente e inibe mais facilmente a ingestão de açúcares, sente-se satisfeita com mais facilidade e tem maior controle na vontade de comer doce. Havendo diminuição da serotonina, como ocorre na depressão, a pessoa pode ter uma tendência ao ganho de peso. Por isso os medicamentos que aumentam a serotonina estão sendo cada vez mais utilizados nas dietas para perda de peso (sibutramina, por exemplo). A própria fluoxetina, usada para o tratamento da depressão através do aumento da serotonina, também costuma proporcionar maior controle da fome (notadamente para doces).

Assim, se por um lado a baixa de serotonina resulta em ganho de peso, o excesso de serotonina, por outro lado, pode produzir anorexia (Blundell). Apesar disso, os agonistas da serotonina com ação direta sobre os neuroreceptores da serotonina (serotoninérgicos) do tipo 5-HT1A (8-OH-DPAT) produzem aumento do apetite (hiperfagia) por estímulo de outros neuroreceptores (auto-receptores), diminuindo a liberação de serotonina. Este pode ser o mecanismo responsável pela anorexia que se observa em alguns casos de depressão ou da Anorexia Nervosa (López-Mato).

Outras Funções
Também na regulação geral do organismo a Serotonina tem um papel importante. A Serotonina é um dos principais neurotransmissores do núcleo supraquiasmático hipotalamico, regulador central de todos os ritmos endógenos circadianos. Influi assim, na regulação do eixo hipotálamo-periférico.


A temperatura corporal, por exemplo, controlada que é no Sistema Nervoso Central(SNC) recebe uma influência muito grande dos níveis de serotonina. Isso talvez possa explicar porque algumas pessoas têm febre de origem emocional, predominantmente as crianças. A serotonina produz um efeito duplo sobre a temperatura corporal, de acordo com o tipo de neuroreceptor estimulado. O neuroreceptor 5-HT1 reduz a temperatura corporal (hipotermia) e o neuroreceptor 5-HT2, ao contrário, eleva a temperatura (hipertermia). É durante a fase de ondas lentas do sono que se produz o pico mínimo da temperatura corporal.

Também interfere no limite da sensação de dor. A serotonina é um modulador das vias senso-perceptivas, as quais também transmitem ao cérebro a sensação de dor. A depressão diminui o limiar de recepção à dor e a administração de agonistas (imitadores biológicos) da serotonina produz analgesia em animais de laboratório.

Algumas doenças caracterizadas por dores de tratamento difícil podem ser muito beneficiadas com medicamentos que aumentam a serotonina. É o caso, por exemplo, da enxaqueca, das lombalgias (dores nas costas) e outros quadros de dor inespecífica. É bem conhecido o efeito dos antidepressivos tricíclicos, especialmente de a Amitriptilina, para controle dos casos de dor psicogênica.

FONTE: Ballone GJ, Moura EC -  in. PsiqWeb,